Qualidade do biodiesel – Uma reflexão
Confira o artigo do consultor técnico da ABIOVE, Vicente Pimenta. Neste artigo publicado originalmente na BiodieselBR, o autor debate os supostos problemas do biodiesel brasileiro. Afinal, eles são reais?
Muito se tem falado sobre a qualidade do biodiesel devido a problemas que têm aparecido no campo, supostamente atribuíveis ao biocombustível, e sem comprovação cabal. São discussões relevantes e, no aspecto qualidade, é vital avaliar certos pontos sob risco de inviabilizar este importante combustível renovável do Brasil.
O primeiro destes pontos é a correta caracterização do problema, com a definição acurada das suas causas. Toda a comunidade científica, os usuários esclarecidos, os produtores de biodiesel, as distribuidoras, as montadoras e seus sistemistas estão seguros de que o problema do diesel comercial é a qualidade intrínseca do biodiesel?
A questão é exclusivamente atribuível ao biodiesel? Se sim, o biodiesel que gerou a ocorrência estava dentro do especificado? E, finalmente, em caso positivo, o biodiesel tinha defeitos de qualidade a partir da usina ou más práticas foram as responsáveis pelo produto sair da especificação?
É de extrema importância buscar respostas para esses questionamentos – no limite das possibilidades para obtê-las. Por óbvio, de todas as questões levantadas, a única condição que ocasionaria mudanças na especificação do renovável é a ocorrência de problemas comprovadamente imputáveis ao biodiesel, estando ele dentro do especificado. Todas as demais demandariam outras ações.
Ao não se conhecer com a devida abrangência todas as questões, corre-se o risco de, ao invés de se procurar as respostas, seguir para o caminho mais fácil e assumir (equivocadamente) que não há problemas i) do biodiesel entregue fora do especificado; e ii) no manuseio e armazenagem do biodiesel e do diesel. Esse desconhecimento pode levar a uma restrição excessiva da especificação, e, consequentemente, demandar intervenções complexas pelo produtor, que sem saber a causa dos problemas atribuídos ao seu produto, será obrigado a promover mudanças em seu processo, inserir controles adicionais e introduzir testes novos. O resultado é o aumento no custo de produção, sem qualquer certeza de que são ajustes necessários e que chegarão ao consumidor final.
O pior é que o aperto ultra rigoroso na especificação do biodiesel pode levar à inviabilização de matérias-primas, sem garantia de benefícios ao consumidor. Cabe aqui mencionar evento recente promovido pela BiodieselBR onde houve a menção de que problemas aconteciam apenas com o diesel S-10 e não com o S-500. O que isso quer dizer? Esse dado é relevante? Informações como essas estão sendo consideradas no escopo das ações para determinar as causas dos problemas?
A outra condição desfavorável à usina de biodiesel é fixar a especificação sem a realização de testes para a definição precisa dos limites que podem ser adotados e sem observar os aspectos regulatórios pertinentes a essa discussão (composição de matérias-primas nacionais, teor de mistura, usos do diesel, temperatura nas regiões brasileiras e custos).
O Brasil tem aumentado a participação de renováveis em sua matriz energética. O biodiesel ainda é a opção mais efetiva em termos de custo, benefícios à sociedade, ao meio ambiente e à estabilidade da oferta. Outros produtos que podem ajudar a compor a cesta de combustíveis renováveis do Brasil surgirão, mas requerem tempo para seu pleno uso.
Diante disso, o conhecimento é fundamental para que os aprimoramentos ao biodiesel ocorram de forma a viabilizá-lo como opção renovável segura. Se a cada incremento no teor da mistura de biodiesel no diesel forem incorporadas restrições na sua especificação em caráter meramente de cautela perante “eventuais problemas que podem surgir”, o Brasil acabará tendo um biodiesel tão “excelente” que será impossível a sua produção.
Recomenda-se moderação e investimentos em ciência e pesquisa aplicada que possam trazer conhecimento útil e viável. Esses são elementos fundamentais para que o país siga servindo de exemplo ao mundo na oferta de energia limpa e renovável.
Autor: Vicente Pimenta – Consultor técnico da ABIOVE